Querida Liberdade,
Demorei a perceber quem tu eras.
Durante muito tempo, achei que tu eras ausência de limites, de horários, de obrigações. Achei que eras só vento nos cabelos e pés descalços a correr sem direção.
Pensei que eras aquela voz que dizia “ninguém me diz o que fazer” — e, confesso, muitas vezes gritei isso contigo no peito e raiva na garganta.
Mas agora vejo que tu…
Tu és bem mais do que isso.
Tu és muito mais subtil, mais sábia.
Tu és o espaço que me permite ser — com presença, com escolha, com verdade.
És o sim que vem depois do não bem dito.
És a pausa que me devolve a respiração.
És a rotina que protege o meu tempo.
És o cuidado que me permite criar com leveza.
Descobri-te no colo da minha mãe, quando me contou histórias de medo e escassez, vividas em silêncio.
Descobri-te nas entrelinhas dos relatos do meu pai, que usava o riso para esconder a dureza do contrabando.
Descobri-te na pandemia, quando o mundo fechou — e eu, curiosamente, abri.
E redescobri-te na maternidade, quando entendi que prever e limitar é uma forma de proteger, e proteger… também é amar.
Querida Liberdade,
Hoje entendo que não és ausência de estrutura.
És a estrutura que eu escolho, com consciência e alma.
Por isso escrevo-te esta carta:
Para agradecer-te pelas tuas mil formas.
Pelas tuas danças entre o céu aberto e o chão firme.
Pelas vezes em que me salvaste — até de mim.
Que nunca me esqueça de ti.
E que, sobretudo, nunca te use como desculpa para fugir de mim mesma.
Com amor, liberdade e coragem,