Ontem houve um apagão.
A luz faltou. O wi-fi parou. Os telemóveis ficaram em silêncio.
E, como sempre, a escuridão trouxe à tona o que está mais vivo dentro de nós.
No meu caso? Ontem veio a calma, a escolha consciente de não colocar combustível (apesar de ter o carro na reserva), ou optar pela via da esquerda quando a da direita era a que me levava ao supermercado (afinal tenho o que comer hoje) , o respirar fundo olhar para o céu e confiar por não ter notícias dos meus pais, sendo que o meu pai dependa de uma máquina de oxigénio durante as noites, mas hoje… hoje ao atualizar o feed do Instagram a conversa foi outra: Uma frase que se repetia em loop dentro da minha cabeça:
“Não julgues. Não julgues. Não julgues.”
Depois de atualizar o feed, vieram os pensamentos — não os mais nobres, confesso.
Postagens sobre autonomia energética, geradores, carros na reserva, kits de sobrevivência.
Outras sobre como precisamos urgentemente de voltar à terra, à natureza, às raízes.
E de repente… lá estava ele, o meu bom e velho julgamento.
“Mas será que quem escreveu isso não vive numa cidade e entra em pânico sem um centro comercial por perto?” Será que conhecem a dureza da vida no campo?” Será que sabem que a internet não tem a mesma qualidade aqui?” “Será que sabem que não são prioridade nas políticas e garantias “democráticas”?” “Será que isto não separa mais do que une? Não reforça a ideia de que cada um que se salve como puder?”
E lá estava eu, a cair na armadilha de sempre:
Achar que o meu olhar é mais consciente, mais maduro, mais ‘certo’.
O simples não é simples para todos…
Sim, a natureza é sábia.
Sim, precisamos de reaprender a confiar nela.
Mas também precisamos de reconhecer que nem toda a gente pode ou quer viver no campo.
Porque se todos fugíssemos para o campo, o campo deixava de ter as virtudes do campo.
O sustentável perde-se quando é feito por fuga, e não por escolha consciente.
E sim, é útil ter lanternas, comida de reserva e um plano B… mas e se o verdadeiro ensinamento não estiver em preparar-nos para tudo, mas em aprender a aceitar o que não controlamos?
Na minha perspetiva a reserva mais importante é a calma
O apagão não durou 24 horas. E ainda assim, para muita gente, o mundo pareceu ruir…
Claro que há vulnerabilidades reais — somos dependentes de sistemas que nem sabemos bem quem controla. Mas será que não podemos tirar desta situação lições mais profundas do que apenas enlatados e power banks?
Será que não podemos:
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Aprender a pausar quando tudo para?
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Respirar quando a rotina falha?
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Perceber que o essencial não está sempre disponível… e que está tudo bem?
Ai gente… O caminho do meio continua a ser o mais difícil…
O que me ficou, mais do que a falta de luz, foi o convite a observar — sem apontar.
Nem quem se prepara até ao último detalhe.
Nem quem aproveita para filosofar.
Nem quem simplesmente ficou em silêncio.
Porque cada um vive a mesma realidade com lentes diferentes.
E a consciência não se mede pelas reservas de água, nem pela sabedoria dos posts que publicamos depois de um apagão.
No fundo…
Acredito que o que este apagão nos mostrou foi como reagimos à incerteza.
E como, mesmo em plena escuridão, continuamos a querer ter razão.
Queremos sempre que o nosso ponto de vista seja o mais certo, o mais sábio, o mais lúcido.
Mas talvez o que nos traria mais luz…
Fosse desligarmos o julgamento.
E acendermos a empatia.
Com amor e a humildade de quem também está a aprender,